Este site usa cookies e tecnologias afins que nos ajudam a oferecer uma melhor experiência. Ao clicar no botão "Aceitar" ou continuar sua navegação você concorda com o uso de cookies.

Aceitar

Cotidiano

Do silêncio ao grito: uma mulher encontrando sua voz

renatacantanhede
Escrito por renatacantanhede em 4 de janeiro de 2024
Do silêncio ao grito: uma mulher encontrando sua voz

Chorei como criança, você sabe como criança chora? Parece que o mundo vai acabar. Foi desse jeito, bem intenso. Acolhida num abraço, enxuguei as lágrimas e fui dormir. 

O mais engraçado é que eu estava chorando por algo que até então nunca havia chorado. Eu era daquelas que contava as tristezas sorrindo, camuflando a dor. Não importa os motivos, não tenho clareza sobre o que me fez comportar assim, no entanto posso afirmar com toda certeza que foi um conjunto de experiências.

Esse conjunto de experiências me fez ser uma mulher aparentemente forte, independente e decidida. Apesar disso,  ao longo da vida tive muitas dificuldades em me posicionar, colocar limites e assumir também minhas fraquezas.

Ontem estava conversando com meu marido e falávamos sobre quitar o carro com antecedência. Quando isso ocorre, tem-se direito a um valor de ressarcimento devido ao seguro que é pago quando do financiamento. Então lembrei do meu primeiro carro, um corsa classic, que dei, você não entendeu errado, eu dei para o meu então ex-namorado, com dois anos pagos, ainda faltavam 3. Dei com a condição de que ele assumisse as demais prestações. Na época ele passou esse carro para o pai dele, não sei como foi a negociação, porque não tinha mais nada a ver comigo. No entanto, essa recordação trouxe à tona a dor silenciada. 

Ele não merecia o carro, ele mal colocava a gasolina, não me deu um real por ele. Foi um relacionamento que durou 8 anos e nunca ganhei um botão de rosas. E claro que aprendi muitas coisas, inclusive o que mereço. Nessa lembrança pela primeira vez deixei a raiva por tantas coisas ruins viver, às vezes a gente vê a famosa sofrendo e não entende como ela permitiu que tanta coisa acontecesse com ela. Eu não entendo com clareza, porque também passei por isso, dei um carro para alguém que não merecia. E esse texto de hoje é um desabafo não só por mim, mas por todas que um dia viveram ou ainda vivem uma relação abusiva e não se dão conta. 

Esse mesmo namorado colocou um espião ou sei lá o quê no computador da minha casa, era um computador da família, único, mas ele se achou no direito de vigiar o que a gente fazia. Essa mesma pessoa me desencorajava a fazer as coisas que eu tinha vontade de aprender. Essa mesma pessoa não pegava na minha mão e não me permitia fazer demonstrações de afeto. Ele também me disse num momento que eu estava feia e mal cuidada. E mesmo com tudo isso, ainda quis casar com ele. Combinamos de comprar as alianças no final do expediente de um dia de trabalho, mas em cima da hora,  me disse que não iria casar. Perguntei o porquê e ele disse que não queria. Saí de lá e fui chorar no colo da minha mãe e da minha irmã. 

E o fato de não entender o meu valor, me fez aceitar uma volta com a condição de que a gente casasse. Comprei as alianças. Noivamos. O noivado durou um mês, terminamos. 

Sabe como foi para terminar? Eu estava na rua quando um rapaz, que só vi nesta única vez, me abordou e perguntou informações sobre a cidade. Era um turista, que ainda bem não se conteve apenas em saber sobre a cidade,  perguntou meu nome.  Dessa pergunta ele me adicionou nas redes sociais, na época era o orkut. E ele vivia dizendo que eu era linda. Não sabia o que era isso, não sabia o que era ser chamada de linda, e sem saber ele foi o anjo que despertou para olhar o que eu vivia. Dali em diante comecei a me posicionar. E quando terminamos, dei o carro porque na verdade eu tinha medo dele. 

Um relato curto para 8 anos. Aconteceu coisa pior nesse período, no entanto acredito que o que trouxe é suficiente para abrir os olhos de quem vive algo parecido e não percebe. 

Nada que ele fez de bom, apaga o mal que ele me fez. 

Para piorar depois de anos, chegou aos meus ouvidos uma conversa de que ele tinha vergonha de estar comigo porque sou negra, se isso é verdade ou não, nunca saberei, mas fez sentido pela forma como vivíamos essa relação. 

Como eu disse no começo, não me dava conta do que vivia, achava que era normal. Você já viu algum vídeo daqueles animais abandonados que quando encontram uma pessoa disposta a cuidar se assustam? Assim aconteceu comigo e meu marido, que abre a porta do carro para mim, que me deu flores logo que começamos, que cuida de mim em diversos aspectos e que mesmo quando digo que estou feia e gorda, ele me abraça, me chama de linda e afirma me amar. 

Desconfie se alguém não te assume claramente, desconfie se a pessoa não te dá a mão, desconfie se ela não sai com você. E não aceite NUNCA que alguém te menospreze, não aceite menos do que você merece e se ainda tem dúvidas do que merece porque você está tão machucada e não consegue enxergar, procure alguém que te ame, pois essa pessoa vai te ajudar a encontrar essas respostas. 

Nem sempre temos força para romper esses ciclos de abuso e muitas vezes a gente não entende que vive isso. Se alguém quiser abrir teus olhos, ouça com o coração.

Depois do choro disse para mim mesma que nunca mais vou deixar alguém me maltratar. Nunca mais vou fingir que está tudo bem, nunca mais calarei minha voz.

Chega de justificar a maldade alheia, chega de ser compreensiva, você merece ser feliz e ter uma vida incrível. 

Com amor,

Renata Cantanhêde.

Por Dias Incríveis.

Foto de Clem Onojeghuo na Unsplash

Oi,

o que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *